Ao meu redor

Este é um espaço para as crônicas. Aqui nossos autores podem expor suas reflexões sobre os mais variados assuntos.






Monólogo da saudade





   Não sei se sentes a minha falta. Sei que sinto a tua. Pergunto-me qual seria a tua reação quando soubesses que a Joana da esquina se casou novamente, ou se preferirias que o jarro vermelho ficasse em cima da mesinha ao invés da prateleira. Penso nos teus sorrisos e gestos, nas tuas grandes histórias. Tinhas o raro dom de não te sentires inferior e nunca te acanhares, não importava o lugar. Conseguias continuar humilde, meu caro, é incrível, sempre humilde. Tua sabedoria era ímpar. Até hoje, não haveria um cavalheiro que não tirasse o chapéu para ti, nem dama que não te cumprimentasse com cortesia em sinal de respeito.
       
     Gostaria que soubesses que mudei de shampoo, voltei a usar aquele de ceramidas. É o mesmo que estás a pensar, sabia que recordarias. Após o banho, sempre me dizias o quanto meus cabelos estavam perfumados. Sorrindo afirmava “Mas é charmosa!”. Este foi o elogio mais sincero que já recebi, e também o mais doce.

   Infelizmente, não consigo evitar as saudades dos momentos que não foram concretizados, das horas que não passei ao teu lado. Resolvi aceitar o fardo de que sou egoísta, queria-te aqui por perto. Sim, esse fardo é pesado de se carregar, mas não pesa mais do que as cenas que se repetem dentro de mim. Tu, naquela belíssima poltrona florida, estavas a delirar e nem ao menos lembravas meu nome. Aquele dia no hospital, estavas mal e ainda assim nos pediu para que ficássemos sempre unidos. É de causar espanto, como naquela terça-feira, mesmo sem saber, pediste para que me tirassem de casa. Agora te compreendo, só querias me poupar, não é mesmo? Chega a ser perturbador, estavas sempre pensando nas pessoas que amavas. Tua maior preocupação sempre foi o nosso bem-estar.

     Estou ciente de que agora tu és eterno, o cosmo não é nada tolo e tomou a ti por estrela. Entretanto, continuo precisando te pedir desculpas, meu velho, pois não pude evitar que o papel molhasse enquanto te escrevia. É que por fim, me dei conta de que tinha uma dezena de nós na garganta.

      Sabes, desde muito menina, sempre quis que me notaste, queria poder ver aquela tua dentadura amarelada que sempre me retribuía com os melhores sorrisos. Espero que tenhas percebido que a minha maior recompensa sempre foi, e sempre será, fazer-te orgulhoso. Quero que a dentadura amarelada irradie aqueles doces sorrisos que sempre nos mostraste. Por ora, me contento com nossas prosas, é bom saber que daí estás a me ouvir.



Cláudia Martins -  2° ano integrado em Edificações do Instituto Federal de Sergipe

 (2016)

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Pollyanna do assalto


Escrevo essas linhas especialmente para aqueles que compartilham de uma realidade parecida com a minha, ou até mesmo igual. Estudo no IFS, campus Aracaju, há cerca de um ano e meio e acredito que a grande maioria dos alunos, e até mesmo dos servidores de lá, já tiveram que lidar com a situação de um assalto. Infelizmente, já é comum para nós ouvirmos colegas de classe ou do trabalho falando que um assalto acabou de ocorrer por perto ou até que eles mesmos acabaram de sofrer um.

 Nunca esquecerei do dia em que ocorreu comigo. Estava indo com um colega em direção ao Instituto quando fomos abordados por dois rapazes de bicicleta. Levaram nossos celulares – era tudo o que tínhamos na hora – e seguiram caminho. A sensação de impotência é horrível; de insegurança, de ter que viver com esse fato e de não ser capaz de fazer algo.

 Fiquei na neura por dias e é interessante o quanto isso me fez sofrer, porque a cada dia eu revivia mentalmente a cena e tentava achar uma possível saída para aquela situação, mas, claro, todas trariam riscos.

 O que é mesmo incrível é o quanto uma pessoa pode mudar depois de um assalto. Até porque, mesmo que pareça difícil de acreditar, isso também tem o seu lado bom. Primeiro porque quem é assaltado dificilmente continua agindo da mesma maneira na rua. A pessoa começa a desconfiar de muita coisa e, caso isso não aconteça, certamente continuará à mercê de assaltantes. Há preocupação, porém se tornar prevenido é positivo. É impressionante como um assalto nos faz agir como escoteiros: sempre alerta. 

O assalto também pode fazer as pessoas se aproximarem umas das outras. Quem nunca se viu na portaria do IFS prestes a ir ao ponto de ônibus, tarde da noite, sozinho e sem ninguém conhecido que possa ir junto? O que resta? Arriscar-se de forma brava no meio da noite ou trocar uma ideia com o tiozinho ao seu lado para descobrir se ele também vai ao mesmo ponto que você, diminuindo assim o risco e ao mesmo tempo, quem sabe, achando um novo amigo? Apesar de surgirem motivado pelo medo, esses encontros podem não ser tão breves assim. Podem ser o início de algo mais grandioso. Quem sabe? Na vida, nada acontece por acaso.

Finalmente, surge a profunda reflexão causada pelo assalto. Muitas vezes, somente quando sofremos é que finalmente percebemos a nossa realidade. É nessa hora que sentimos o azedume de vivermos em uma sociedade onde acordamos todos os dias temendo perder não apenas os nossos bens, mas também as nossas vidas. Essa sociedade não é só marcada pelo medo. Há também muito ódio e individualismo.  Parte disso é resultado do desinteresse dos nossos governantes, pois parece que investir no bem-estar do povo não é nada lucrativo. Ainda assim, vou seguindo lembrando da filosofia de uma personagem da literatura, Pollyanna, que buscava sempre ver um lado positivo em tudo o que acontecia a sua volta. É difícil com um assalto, mas não custa nada tentar.   

Pedro Henrique – 2° ano integrado em Edificações do Instituto Federal de Sergipe 

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(2016)